18/08/2010

A origem da Biblioteca Nacional

Homens passam, livros ficam
Talvez a maior herança trazida por D. João tenha sido a Real Biblioteca. Mais do que um acervo valioso, ela foi personagem de longos séculos de história portuguesa
Por ironia do destino, a Biblioteca Nacional está dois anos atrasada em relação aos festejos pelos 200 anos da chegada da Família Real. Seu bicentenário ocorrerá apenas em 2010, precisamente no dia 29 de outubro.
Típico caso em que o calendário oficial não faz jus aos fatos. Afinal, a Real Biblioteca — como se chamava então — nasceu muito, muito antes da travessia oceânica que transferiu para cá o poder luso.
A tradição de “ajuntar livros” teve início em Portugal ainda no século XIV, por iniciativa do rei D. João I, O Boa Memória (1385-1433). Orgulho dos monarcas que se seguiram, o conjunto de livros, mapas, gravuras, estampas e manuscritos chegou aos 70 mil volumes no século XVIII. Até mesmo a fúria opressora da Inquisição sobre publicações “hereges” ajudou a preservar o saber produzido na época. “Os livros que o Estado português e a Igreja aprisionavam permaneciam guardados em acervos que não paravam de crescer. (...) Por linhas tortas o acervo da Real Biblioteca enriquecia-se com alguns exemplares proibidos e tornava-se representativo até mesmo do pensamento humanista que o Estado buscava combater”, comenta Lilia Moritz Schwarcz no livro A longa viagem da biblioteca dos reis (Companhia das Letras, 2002).
Mas tudo estava prestes a desmoronar. No dia 1° de novembro de 1755, um terremoto devastou Lisboa, seguido de incêndios e de uma tsunami que elevou o Tejo de 6 a 9 metros. Ao menos 15 mil pessoas morreram e a Real Biblioteca de mais de quatro séculos sucumbiu quase inteiramente. O esforço de reconstrução da cidade contou com um líder de pulso forte: o primeiro-ministro Sebastião de Carvalho e Melo, futuro Marquês de Pombal. A formação de uma nova Real Biblioteca foi um de seus investimentos. Grandes coleções particulares foram doadas ou compradas. Outras vieram em conseqüência das perseguições promovidas por Pombal. O conde de Atouguia e o duque de Aveiro, dois dos mais destacados nobres portugueses, foram trucidados em praça pública por suposto envolvimento em um atentado contra o rei. Seus espólios contavam com generosas bibliotecas. Expulsos de Portugal e do Brasil, os outrora poderosos jesuítas também deixaram para trás colégios e conventos com preciosos acervos. Importante método para garantir o crescimento do acervo real eram as “propinas”. Nada ilícito, diga-se logo. Assim se chamava a obrigação de doar à Real Biblioteca um ou mais exemplares de qualquer edição rodada na Real Tipografia.
 
Tudo ia bem, até que veio outro terremoto, em 1807. Este atendeu pelo nome de Napoleão. Exatos 37 caixotes abarrotados de livros foram embarcados às vésperas da rápida saída da Corte rumo ao Brasil. Em 1810 e 1811, outras duas grandes remessas completariam o acervo inicial. A instauração da Imprensa Régia por D. João, em 1808, deu início à coleção de livros, mapas, iconografias e periódicos genuinamente brasileiros. E, em 1825, no Tratado que selou de vez a Independência do Brasil, o novo Império comprometeu-se a pagar 2 milhões de libras esterlinas pelo tesouro bibliográfico que herdou do ex-colonizador.
Em valores atuais? Não importa. Foi uma pechincha. Hoje temos uma das maiores bibliotecas do mundo, com mais de 10 milhões de itens. E, de quebra, o testemunho de boa parte da história européia, acumulado pela nobre tradição portuguesa de ajuntar (e reajuntar) livros...

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