Homens passam, livros ficam |
Talvez a maior herança trazida por D. João tenha sido a Real Biblioteca. Mais do que um acervo valioso, ela foi personagem de longos séculos de história portuguesa |
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Por ironia do destino, a Biblioteca Nacional está dois anos atrasada em relação aos festejos pelos 200 anos da chegada da Família Real. Seu bicentenário ocorrerá apenas em 2010, precisamente no dia 29 de outubro. Típico caso em que o calendário oficial não faz jus aos fatos. Afinal, a Real Biblioteca — como se chamava então — nasceu muito, muito antes da travessia oceânica que transferiu para cá o poder luso. A tradição de “ajuntar livros” teve início em Portugal ainda no século XIV, por iniciativa do rei D. João I, O Boa Memória (1385-1433). Orgulho dos monarcas que se seguiram, o conjunto de livros, mapas, gravuras, estampas e manuscritos chegou aos 70 mil volumes no século XVIII. Até mesmo a fúria opressora da Inquisição sobre publicações “hereges” ajudou a preservar o saber produzido na época. “Os livros que o Estado português e a Igreja aprisionavam permaneciam guardados em acervos que não paravam de crescer. (...) Por linhas tortas o acervo da Real Biblioteca enriquecia-se com alguns exemplares proibidos e tornava-se representativo até mesmo do pensamento humanista que o Estado buscava combater”, comenta Lilia Moritz Schwarcz no livro A longa viagem da biblioteca dos reis (Companhia das Letras, 2002). Mas tudo estava prestes a desmoronar. No dia 1° de novembro de 1755, um terremoto devastou Lisboa, seguido de incêndios e de uma tsunami que elevou o Tejo de 6 a 9 metros. Ao menos 15 mil pessoas morreram e a Real Biblioteca de mais de quatro séculos sucumbiu quase inteiramente. O esforço de reconstrução da cidade contou com um líder de pulso forte: o primeiro-ministro Sebastião de Carvalho e Melo, futuro Marquês de Pombal. A formação de uma nova Real Biblioteca foi um de seus investimentos. Grandes coleções particulares foram doadas ou compradas. Outras vieram em conseqüência das perseguições promovidas por Pombal. O conde de Atouguia e o duque de Aveiro, dois dos mais destacados nobres portugueses, foram trucidados em praça pública por suposto envolvimento em um atentado contra o rei. Seus espólios contavam com generosas bibliotecas. Expulsos de Portugal e do Brasil, os outrora poderosos jesuítas também deixaram para trás colégios e conventos com preciosos acervos. Importante método para garantir o crescimento do acervo real eram as “propinas”. Nada ilícito, diga-se logo. Assim se chamava a obrigação de doar à Real Biblioteca um ou mais exemplares de qualquer edição rodada na Real Tipografia. Tudo ia bem, até que veio outro terremoto, em 1807. Este atendeu pelo nome de Napoleão. Exatos 37 caixotes abarrotados de livros foram embarcados às vésperas da rápida saída da Corte rumo ao Brasil. Em 1810 e 1811, outras duas grandes remessas completariam o acervo inicial. A instauração da Imprensa Régia por D. João, em 1808, deu início à coleção de livros, mapas, iconografias e periódicos genuinamente brasileiros. E, em 1825, no Tratado que selou de vez a Independência do Brasil, o novo Império comprometeu-se a pagar 2 milhões de libras esterlinas pelo tesouro bibliográfico que herdou do ex-colonizador. Em valores atuais? Não importa. Foi uma pechincha. Hoje temos uma das maiores bibliotecas do mundo, com mais de 10 milhões de itens. E, de quebra, o testemunho de boa parte da história européia, acumulado pela nobre tradição portuguesa de ajuntar (e reajuntar) livros... |
18/08/2010
A origem da Biblioteca Nacional
A família real portuguesa no Brasil
Saída pelo mar
Entre ser derrotado por Napoleão ou ver o Brasil invadido pela Inglaterra, o governo português escapou dos dois. Transferir a Corte foi a melhor opção
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O poderoso exército napoleônico às portas da fronteira. Espreitando o porto de Lisboa, navios ingleses prontos para atacar. Do outro lado do oceano, a enorme e rica colônia brasileira exposta a uma possível invasão. Pressionado por duas potências rivais, a escolha de Portugal era das mais difíceis. Fosse qual fosse a decisão, o castigo do inimigo era certo.
Pois naquele fim de 1807, o que se viu foi uma fuga. Uma fuga em massa de nobres que se apinharam no porto em busca de lugares nas naus que rumariam para o Brasil. Vários atropelos aconteceram: bagagens ficaram em terra, pertences de pessoas que não viajariam foram parar nos navios, parentes foram separados durante a viagem.
Mas a impressão de retirada covarde e atabalhoada não se justifica. Historiadores do século XX demonstram que a transferência da Corte não foi nada improvisada. Cogitada em diversas outras ocasiões (veja o conteúdo complementar no fim deste texto), a mudança deve ser entendida de acordo com a política externa lusitana do período. O reino optava pela neutralidade nos conflitos diplomáticos para evitar choques maiores com as duas principais potências políticas e militares da época: França e Inglaterra. A primeira desfrutava de poderio terrestre, enquanto a segunda gozava de supremacia marítima. Muitas vezes, entretanto, era impossível manter a neutralidade - daí a necessidade de eleger uma aliança mais sólida.
Havia aqueles que defendiam a opção pela França. Um dos principais expoentes desta idéia era Antônio de Araújo de Azevedo (1754-1817), futuro conde da Barca, ministro dos Negócios Estrangeiros e da Guerra entre 1804 e 1807. Ele defendia a aproximação com o regime napoleônico, o que se tornou insustentável em 1807, quando se intensificaram as ameaças inglesas e francesas.
A coligação com a Inglaterra é explicada basicamente pelo temor de um ataque às colônias (principalmente o Brasil), diante do forte poderio naval britânico. O receio não era infundado, afinal o primeiro-ministro da Inglaterra, William Pitt (1759-1806), em discurso no Parlamento, defendera que convinha à “Grã-Bretanha fazer assentar o trono do império português” na América, onde d. João reconquistaria seu reino e ditaria “as leis à Europa, e com o cetro de ferro poderia castigar a França dos seus crimes, e a Espanha [aliada da França] da sua perfídia”. O primeiro-ministro inglês defendia abertamente, em hipótese de uma aliança luso-francesa, a invasão do Brasil.
Os portugueses foram obrigados a agir rapidamente. D. Rodrigo de Souza Coutinho (1755-1812), político experiente que estava há quatro anos afastado do governo, foi chamado em 1807 a reintegrar o gabinete de d. João como conselheiro de Estado. Ele defendia a tese de que Portugal dependia inteiramente do Brasil. Desde 1803, aliás, alertava para a necessidade de defesa contra os franceses. Os domínios portugueses corriam o risco de serem dilacerados entre França e Inglaterra, caso uma postura pró-britânica não fosse assumida. D. Rodrigo destacava a relevância da América portuguesa como a “mais essencial parte da monarquia”. Em hipótese de invasão francesa, existiria “a certeza de ir em qualquer caso V.A.R. [Vossa Alteza Real] criar no Brasil um grande império, e segurar para o futuro a reintegração completa da monarquia em todas as suas partes”. A transferência da Corte, para o futuro conde de Linhares, aparece como último recurso e associada à necessidade de defesa da soberania real. A opinião era compartilhada por outros estadistas que em períodos de maior iminência de invasão francesa enunciavam tal idéia. Foi o caso do marquês de Alorna (1754-1813), que em 1801 propôs ao príncipe: “V.A.R. tem um grande Império no Brasil, e o mesmo inimigo que ataca agora com tanta vantagem, talvez que trema e mude de projeto, se V.A.R. o ameaçar de que se dispõe a ir ser Imperador naquele vasto território”.
De qualquer forma, estava claro que, na iminência de um ataque, a mudança seria a melhor opção para preservar o trono português, independentemente de que lado se fizesse a aliança. Mas era hora de decidir. O conflito na Europa se agravava, e o debate político em Portugal buscava uma definição: afinal, a quem se aliar? Em julho de 1807, Napoleão Bonaparte (1769-1821), imperador da França, insistiu que o governo português prendesse e seqüestrasse os bens dos súditos britânicos, fornecesse dinheiro para sustentação da guerra e reunisse suas forças navais às franco-espanholas. E deu como prazo-limite 1o de setembro. A Inglaterra, por sua vez, estacionou navios na frente de Lisboa, sufocando o comércio e ameaçando uma intervenção militar.
As reuniões no Conselho de Estado português se intensificaram. D. João de Almeida de Melo e Castro (1756-1814) perguntava: valeria a pena “os terríveis golpes” ao comércio, “o retardo da correspondência com nossas colônias, [...] para saciar a ambição e animosidade da França”. Melo e Castro, que havia sido embaixador de Portugal em Londres, observava a necessidade de o príncipe regente retirar-se para o Brasil, de forma a preservar a monarquia.
Chegou-se a preparar uma frota para a transferência do filho de D. João, o príncipe da Beira, d. Pedro de Alcântara (1798-1834), futuro imperador d. Pedro I do Brasil. O príncipe, que tinha apenas 9 anos, deveria ser acompanhado ao Rio de Janeiro por d. Fernando José de Portugal, que governou a Bahia e foi vice-rei do Brasil. Tal medida chegou a ser informada à França, mas segundo o historiador Enéas Martins Filho era apenas uma cortina de fumaça para ocultar a trama secretamente organizada: a mudança de toda a família real.
Longe de ter sido uma fuga impensada, a transferência da sede do governo português para seus domínios americanos possibilitou a permanência do trono de Portugal nas mãos da Casa de Bragança. Do outro lado do Atlântico, inaugurou um novo momento na história do Brasil.
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Nazismo hoje: Passeata em homenagem a líder nazista é proibida em São Paulo
Passeata em homenagem a líder nazista é proibida em São Paulo, após denúncia no Ministério Público. Brasil já foi maior sede do Partido Nazista fora da Alemanha. |
Adriano Belisário |
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Apontado por vezes como um paraíso da convivência multiétnica, o Brasil nem sempre corresponde às imagens forjadas por seus filhos mais ufanistas. Exemplo disto foi o Partido Nazista, fundado em terras tupiniquins, no ano de 1928. Com quase 3 mil integrantes, o Partido fez tanto sucesso que se tornou a maior agremiação de nazistas fora da Alemanha. E engana-se quem crê que a afinidade entre a ideologia do III Reich e o Brasil terminou com o fim da II Guerra Mundial. Através de uma denúncia do coletivo "Movimento Anarcopunk", o Ministério Público de São Paulo proibiu a realização de uma marcha em homenagem Rudolf Hess, líder nazista que faleceu há 23 anos. O evento estava marcado para 14 de agosto, indo da Avenida Paulista até o bairro da Consolação. Apesar de ter registrado a denúncia do coletio, o Ministério Público só proibiu efetivamente a passeata após um jornal da região ter publicado uma matéria sobre o assunto. Em 2009, os neonazistas já tinham causado preocupação em São Paulo, quando jogaram uma bomba de fabricação caseira e feriram mais de 40 pessoas na Rua Vieira de Carvalho, conhecida pelos locais frequentados pelo público GLS. No artigo "Porta-vozes de Hitler", publicado na Revista de História no ano de 2007, Ana Maria Dietrich analisa as publicações do Partido Nazista e de outras organizações pró-Hitler no país, como a Juventude Hitlerista, a Associação Nazista das Mulheres e a Frente Alemã de Trabalho. Hoje, são publicações virtuais que se destacam como veícuo da imprensa nazista, a exemplo do site Stormfront, uma comunidade virtual a favor do nacionalismo branco utilizada na organização da passeata em São Paulo. Fora dos computadores, existem ainda grandes encontros presenciais e tentatias de ataques, como os planos de uma série de atentados a sinagogas em todo país, flagrado pela Polícia Federal no Rio Grande do Sul. Mesmo com a passeata cancelada, é preciso atenção para que novas manifestações de ódio racial, étnico ou de gênero sejam evitadas. |
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