22/06/2009

Oswaldo Cruz, na opinião de Moacyr Scliar


Oswaldo Cruz foi o criador da ciência brasileira, diz a pesquisadora norte-americana Nancy Stepan, o mais importante médico brasileiro do século 20, segundo uma enquete entre professores da USP. Não é de admirar que toda cidade brasileira de tamanho razoável tenha uma rua Oswaldo Cruz, ou um colégio Oswaldo Cruz, ou um laboratório Oswaldo Cruz.
Essa aparente unanimidade nem sempre foi a regra. Há exatamente cem anos Oswaldo Cruz era objeto de execração. A imprensa retratava-o em caricaturas impiedosas, os políticos atacavam-no no Parlamento. Uma multidão furiosa depredou sua casa, no RJ.
Quem foi Oswaldo Cruz? Nascido em 1872 em São Luiz do Paraitinga, interior paulista, era o primeiro dos seis filhos de Bento Gonçalves Cruz, médico, figura que teria grande influência em sua vida, como o mostra um episódio ocorrido quando Oswaldo estava na escola.
Certo dia a professora avisou que o menino Oswaldo tinha de ir com urgência para casa. O pai o chamava. Pode-se imaginar com que aflição o menino fez esse trajeto, sem dúvida imaginando o pior. Mas o pai o chamara porque Oswaldo tinha ido ao colégio sem arrumar a cama, como era sua obrigação.
É preciso dizer que o dr. Bento estava agindo de acordo com as concepções educacionais da época, fortemente disciplinadoras. Mas tais concepções de alguma forma moldariam o caráter do jovem Oswaldo.
Identificado com o pai, cursou medicina no Rio, para onde a família se havia mudado em 1877. Não gostava muito de atender pacientes, mas, durante o curso, descobriu um instrumento que mudaria sua vida: o microscópio, expressão maior da tecnologia médica de então.
Graças ao microscópio, Louis Pasteur e seus discípulos tinham, pela primeira vez na história, identificado com segurança agentes causadores de enfermidade, o que permitia não apenas um diagnóstico mais preciso, como também a preparação de vacinas capazes de evitar doenças.
A revolução pasteuriana, ocorrida no final do século 19, mudou os rumos da medicina e influenciou médicos como Oswaldo Cruz: seu trabalho de conclusão de curso foi exatamente sobre a transmissão de doenças infecciosas através da água. Formado, recebeu ajuda do sogro, rico negociante português, que lhe deu como presente de casamento um bem equipado laboratório.
O sogro financiou também uma viagem a Paris, onde Oswaldo estagiou em várias instituições, incluindo o Instituto Pasteur. Voltando, e confrontado com a necessidade de sustentar a família (como o pai, teve seis filhos), trabalhou em vários lugares.
Até que surgiu a grande oportunidade: foi chamado pelo governo federal para investigar um surto de peste bubônica no porto de Santos.
O diagnóstico da doença, feito por Adolfo Lutz e Vital Brazil, resultara em quarentena decretada pelo governo do Estado, o que acarretava prejuízos para a cidade.
A controvérsia fervia, mas a investigação conduzida por Oswaldo Cruz foi decisiva: era mesmo peste. O único tratamento para a doença era um soro, não muito eficaz, importado da França.
A prefeitura do então Distrito Federal e o governo de SP resolveram criar seus próprios laboratórios para a fabricação do produto. Oswaldo assumiu a direção técnica do Instituto Soroterápico do RJ, cujo titular era o autoritário barão de Pedro Afonso, com quem acabou se desentendendo.
O Barão se demitiu e Oswaldo assumiu a direção do instituto, em 1902.
No ano seguinte, Oswaldo tornou-se titular da Diretoria Geral de Saúde Pública (DGSP), equivalente ao Ministério da Saúde hoje, mas subordinada ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Que representava um desafio.
O RJ enfrentava então surtos de várias doenças epidêmicas: febre amarela, peste, varíola. A primeira tinha dizimado a tripulação do navio italiano Lombardia, então em visita ao país, reforçando a imagem da cidade como reduto de pestilências. Navios estrangeiros já não aportavam no Rio, e isso prejudicava a exportação de café.
Prejudicava também a chegada de imigrantes; e a imigração era, na visão do governo federal, decisiva para o povoamento, para o fornecimento de mão-de-obra e para o ‘branqueamento’ do país. Oswaldo Cruz tinha, portanto, uma missão que ultrapassava os limites da saúde pública.
Ele organizou o combate às doenças sob a forma de campanhas. O termo tem conotação militar e seguia o modelo estabelecido por médicos militares norte-americanos em países como Cuba.
Baseava-se em rígida disciplina, expressa inclusive na vestimenta: os mata-mosquitos usavam uniformes característicos. O combate ao mosquito transmissor da febre amarela foi recebido com ceticismo e até com deboche pela imprensa e por boa parte do público; mas teve êxito, reduzindo apreciavelmente os casos da doença.
O mesmo aconteceu na campanha contra a peste, esta tendo como alvo o rato portador das pulgas transmissoras da doença. Seguindo o modelo norte-americano usado nas Filipinas, o governo pagava uma quantia pelos ratos capturados pela população.
Um homem chamado Amaral teve a idéia de criar ratos para vendê-los ao governo; preso, defendeu-se dizendo que seus ratos eram cariocas, que ele não fazia como seus concorrentes que vendiam ratos de outros Estados e até de navios estrangeiros.
Até aí, a resistência às campanhas limitava-se à gozação. Mas tudo mudou quando se iniciou a vacinação obrigatória contra a varíola, em 1904. A doença era grave, e deixava cicatrizes deformantes, quando não matava.
A vacina já estava disponível havia mais de um século, mas mesmo assim havia resistência a ela. Como era preparada com o líquido extraído das pústulas da varíola das vacas (‘vaccinia’) dizia-se que as pessoas vacinadas ficavam com cara de bezerro. Isso alimentava a oposição ao governo, um amplo leque que ia de monarquistas a anarquistas. O descontentamento evoluiu para a revolta franca.
O movimento foi dominado; muitos revoltosos foram deportados para regiões longínquas. Mesmo com o prestígio abalado, Oswaldo Cruz foi mantido na chefia da DGSP.
Tentou outras campanhas, como a do combate à tuberculose, mas sem êxito. Deixando a DGSP em novembro de 1909, permaneceu na direção do instituto de pesquisa que criara em Manguinhos.
Àquela altura, tinha prestígio internacional. Organizou uma série de projetos sanitários na Amazônia, no Nordeste e no Centro-Oeste. Tais projetos tiveram o mérito de mostrar as condições de vida e saúde das populações rurais do Brasil.
Deles nasceu o movimento sanitarista que, em 1918, criaria a Liga Pró-Saneamento do Brasil, apoiado por figuras como Monteiro Lobato, cujo personagem Jeca Tatu é um símbolo do Brasil doente e atrasado que poderia ser redimido pelo combate às endemias rurais.
Doente (desde os 35 anos sabia sofrer de uma doença renal semelhante à que matara a seu pai), Oswaldo Cruz afastou-se de Manguinhos e foi nomeado prefeito da cidade de Petrópolis em 1916. Faleceu naquela cidade, em 11 de fevereiro de 1917.
Nasceu então um verdadeiro culto à sua figura, sobretudo por parte do movimento sanitarista, um grupo fortemente nacionalista e também modernizador.
No campo oposto situavam-se, e situam-se, aqueles que denunciavam o autoritarismo de Oswaldo Cruz, sua incapacidade de relacionar-se com a população.
Pergunta: quem tem razão? Os dois lados têm razão. Oswaldo Cruz foi, sim, um cientista de vanguarda, um homem que, sob muitos aspectos, estava adiante de seu tempo e que dedicou-se com paixão a conseguir seus objetivos.
Era um sanitarista, um médico não do corpo individual, mas do corpo social. Para que o corpo social funcionasse, todas as partes deveriam colaborar para o desenvolvimento do todo, mediante uma hierarquia, que representava, para o sanitarista, um problema.
Sua função inevitavelmente ligava-o ao poder e, quanto mais centralizado este poder, melhor. Mas hierarquia era também política, e a política era, e é, terreno minado.
O sanitarista não podia se restringir ao convívio com poderosos; tinha de pensar na sociedade. Na luta contra os micróbios a neutralidade é impossível: seres humanos podem, ainda que involuntariamente, abrigar o inimigo.
Daí a quarentena, o isolamento. Conhecimento e autoridade resumiam a postura do cientista Oswaldo Cruz. E também entusiasmo; saúde pública é ‘pathos’, paixão. Uma paixão quase religiosa.
Agora, havia um outro Oswaldo Cruz: o leitor de Baudelaire, Gide, Anatole France, e, depois, membro da Academia Brasileira de Letras; o melancólico que costumava retirar-se para meditar em um estúdio de sua casa.
Conclusão: estamos diante de uma figura complexa, à qual não se pode aplicar rótulos simplistas. Como o Brasil, Oswaldo Cruz era uma soma de contradições. Um enigma, se a gente quiser, mas um enigma ao qual não falta grandeza.
(Folha de SP, 7/11)

Um comentário:

  1. Oi!!! Vou postar meu texto sobre oswaldo cruz, em um comentário mesmo:

    Oswaldo Gonsalvez Cruz(São Luís do Paratinga, 5 de agosto de 1872-Petrópolis, 11 de fevereiro de 1917), Foi um cientista, médico, bacteriologista,epidemiologista, e sanitarista brasileiro.
    Foi o pioneiro no estudo das molístias tropicais e da medicina experimental do Brasil.
    Fundou o Instituto Soroterápico Nacional no bairro de Manguinhas, no Rio de janeiro, transformando em "Instituto Osvaldo Cruz", respeitado internacionalmente.

    OBS: Osvaldo Cruz também foi quem aconselhou o presidente a tornar vacinas obrigatórias,pois haviam muitas epidemias, gerando assim, a "Revolta da Vacina".
    Ass: Miriam Oliveira turma C32

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